Machu Picchu, Peru
Consumido pela selva, perdido a altitudes surreais, rodeado pelos andes e deliberadamente abandonado pelos locais para sua proteção… é assim que somos apresentados, a uma das sete maravilhas do mundo: Machu Picchu!
Começando tudo com um telefonema às 4h30 da manhã, de botas postas e malas às costas seguimos para o que viria a ser, não só um dia fisicamente desafiante como também uma aventura única. Tudo começa na estação ferroviária na vila de Ollantaytambo e com muito entretenimento a bordo – todos os dias fazem uma pequena encenação do amor proibido entre um jovem da nobreza e uma rapariga do povo. Em geral, uma viagem realmente serena e descontraída, seguindo o rio por entre vales e montanhas.
Nada melhor que sair a meio do caminho sem paragens, onde basicamente somos avisados que o comboio irá parar apenas por uns meros 5 minutos… pois bem é aqui que chegamos ao famoso quilómetro 104 do trilho inca! E sim, pode-se ir de transportes até ao Machu Picchu, mas, em terra inca sê inca…
Já sentindo a alta humidade no ar, o frio da altitude e um nervosinho miúdo, eis que a aventura começa! Atravessando o rio e passando o ponto de controlo de passaportes e bilhetes, entra-se logo numa biosfera única e pura. Tudo imensamente verdejante e colorido com a sua fauna local, onde até os seus pássaros são coloridos.
Com um início bem relaxado, plano e almofadado, em pouco menos de 15 minutos alcançam-se as primeiras ruínas incas. Estas consistiam em antigas quintas e armazéns de bens agrícolas que também albergariam peregrinos na sua jornada até Machu Picchu. Num tom amarelado e magnânimo, estas estruturas revelam-se mais bem construídas do que muitas estruturas modernas, e sem uso de cimento.
Eis que o caminho começa a ficar intenso e durante quase 4h continuámos sempre a subir. O frio mantém-se assim como a humidade alta, aumentando os suores e a sensação de cansaço. No entanto, já se começa a ver o que temos ao nosso redor, e bem… apenas posso descrever algo que só vendo: uma visão limpa sobre todo o horizonte e o vale por onde o rio abre caminho, uma altitude tal que mesmo os mais destemidos se sentem zonzos só de olhar em frente, a neblina a passar pelo topo das montanhas como se estivesse ao nível dos nossos olhos, enquanto (raramente) o único som que ecoa neste é do apito do comboio. Deixo algumas fotos, apesar de não fazerem justiça.
Parando em pontos de vigia para abrigar da chuva miúda e para comer, começa-se a avistar o maior complexo inca do caminho: Winay Wayna. Uma imensa e poderosa subestação agrícola com imensos e magnânimos terraços meticulosamente construídos em altitude, pois nem tudo o que se plantava se dava bem com a altitude, então faziam a divisão hortícola através da altitude e não tanto pela estação do ano. Porém, com uma visão desobstruída, este complexo também servia para fins militares, nomeadamente para prevenir possíveis ataques inimigos.
Com o caminho seguindo o rio, e com curvas cegas, nunca se saberia o que viria após cada uma delas. Apesar das belas encostas verdejantes, vegetação de aspeto pré-histórico, fauna de tons bastantes vivos (cores vermelhas, amarelas, violeta e orquídeas rosadas predominam), é-nos apresentado ora o esplendor da natureza, ora, a sua força destrutiva. No meio desta imponente biosfera ainda é possível encontrar antigos complexos incas, sendo a mais impiedosa a famosa escadaria “mata gringos” - uma escadaria surrealmente ingreme e com degraus estreitos, sendo necessário usar as mãos para subir.
Finalmente, a tão esperada pausa para almoço! Um magnífico manjar no alto da montanha, com tudo feito na hora.
A porta do sol Intipunku aproxima-se assim como imensos altares (ou o que sobravam deles) ainda com marcas de sangue. Por norma, sacrificavam-se animais e deixavam-se oferendas, sendo a mais importante as folhas de coca. Em casos extremos chegou-se a sacrificar pessoas.
Agora sim, Machu Picchu no horizonte! Completamente surreal! Incrivelmente escondido no topo de uma montanha, cheio de terraços que ainda se poderiam usar, imensas casas e claro também bem regado de turistas.
Numa entrada gloriosa e misteriosa no parque arqueológico deparamo-nos de imediato com uma vista deslumbrante do que seria nos dias de hoje, o equivalente ao Vaticano inca – Machu Picchu. Terraços de cultivo de se perder a vista, escolas, casas, locais de culto, e bem… tudo isto para um máximo de 1000 residentes. Um local dedicado ao culto e astronomia, habitado apenas pelo clero e trabalhadores locais, apenas visitado pela família real em alturas específicas.
Apesar do seu incrível estado de conservação milhões de artefactos encontram-se fora do país, embora existam outros que podem ser vistos em museus na cidade de Cusco e Lima. Relativamente às estruturas ainda de pé, estas são maioritariamente as originais, apenas tendo sido adicionados telhados, uma vez que estes foram feitos pelos próprios incas, com medo, ao ser descoberta pelos seus inimigos, esta fosse tomada – o intuito dos incas era, após expulsarem os espanhóis, voltarem a Machu Picchu.
Mas porquê esta localização? Tal como muitas outras cidades incas, a suas localizações eram escolhidas consoante o que vissem em seu redor, ou seja, se uma encosta se parecesse com uma cara humana, seria um bom presságio para lá construir uma cidade. E assim foi com Machu Picchu.
Pedra com o mesmo formato da montanha em sua frente. Visto de lado assemelha-se a uma cara.
-> Facto curioso: antes da sua descoberta, no início do século XX, uma simples família de agricultores chegou a habitar em Machu Picchu por mais de 10 anos. Usavam os longos terraços para cultivar a sua comida, o ainda existente sistema hidráulico para rega, como para consumo de água e as humildes, e ainda intactas, casas incas para habitação própria.
Foi a melhor e a mais única experiência que tive até hoje. Um sonho verdadeiramente realizado.