A terra de fogo e gelo
Deixando para trás a costa e os vales verdejantes é agora que esta epopeia por terras vikings ficará épica!
Parecendo uma profecia pós-apocalíptica densamente dramática encontramo-nos a atravessar uma planície negra e enevoada. Sem vida, sem cheiros nem barulhos….
Com o levantar do nevoeiro e com a temperatura cada vez mais baixa é-nos presenteado um vale magnífico cercado por montanhas imponentes, mas os seus cumes não se apresentam brancos, mas sim azuis do mega ecossistema ártico que paira nesta ilha.
Mas nada melhor que percorrer mais um trilho pela natureza islandesa. Por entre caminhos rodeados simultaneamente por arbustos sem vida e negros (parecendo ter passado um incêndio há pouco tempo), ora pelo seu oposto incrivelmente colorido com cores de outono, ou seja, tons de amarelo, laranja e vermelho. Até que o som de uma cascata começa a ecoar pelo ar circundante, e bem.. uma visão realmente única – a cascata de Svartifoss, caracterizada pela sua formação rochosa de basalto com formato hexagonal.
No regresso do trilho o caminho escurece, o chão passa de terra a cinzas vulcânicas, a vegetação algo escassa mostrando algumas cores contrastando com o chão negro, a ausência de som e de pessoas torna o trilho ainda mais dramático e único. Mas tudo por breves instante, até que novamente parece voltar ao ambiente inicial e verdejante, mas com uma vista tirada de Hollywood – incluindo as casinhas em Sel que mais parecem um cenário de uma série do que uma aldeia real.
Ainda tivemos direito a uma amostra do que estaria para vir no dia seguinte…
Vatnajokull, o pulmão de ar gélido da ilha, um chamamento para a derradeira aventura, uma amostra do sétimo continente, um mega glaciar que cobre inúmeros quilómetros quadrados da ilha.
De grampos nas botas, e enterrando bem tais grampos no gelo seguimos caminho pelo glaciar em si. Apesar do ar gélido a beleza que nos rodeia é tão surreal que nos distrai de tal incómodo, começando por atravessar um túnel de gelo até se chegar á “planície” do glaciar apenas posso dizer que na ausência de sons da natureza (apenas se ouvindo os grampos a perfurar o gelo), somente somos acompanhados por pequenos riachos de gelo derretido que percorrem quilómetros até chegarem ao mar. Uma imensidão branca e azul no seu estado mais puro. É uma experiência a não se perder, infelizmente não consigo descrever (melhor) por palavras o que experienciei por ter sido tão diferente do habitual e fenomenal.
– Claro que teria de haver uma sessão fotográfica.
– Para os mais curiosos também é possível beber a água do glaciar, mas da maneira viking,
Apesar da manhã gelada, também o almoço seria cercado por glaciares e montanhas com cumes nevados. Enquanto nos encontramos a comer nas roulottes, não estamos propriamente a sós, mas sim algo cercado com os residentes locais a relaxar nos ilhéus árticos, as focas marinhas.
E com tanto gelo estranho seria não acabar o dia sem ir á praia para coabitar com mais gelo, mas desta vez tão perto e em proporções normais que podemos simplesmente agarrar para tirar as mais derivadas fotos, bem-vindos á Diamond beach!
Toda esta água no estado sólido originou imensos lagos e lagoas na área circundante criando vastos espelhos grandes o suficiente para espalhar cordilheiras inteiras.
O maior destes espelhos (embora formado pelo mar) encontra-se em Stokksnes. Numa tela preta de base que parece viva da água rasa do mar, acastanhada de corpo moldada pelas montanhas circundantes e no topo azul do céu, tornam este sítio tão surreal que parece mesmo que estamos a flutuar.
Começando a ir em direção ao norte da ilha mais uma vez o cenário muda para vistas mais costais, verdejantes e com planícies sem fim á vista.
Com o tempo escasso e as distâncias necessárias a percorrer a aumentar chegamos ao último trilho da viagem – a visita a Stuðlagil. Seguindo um rio de água turquesa através de curvas e contracurvas e subindo e descendo pequenos vales somos mais uma vez presenteados com um desfiladeiro todo em basalto com rochas hexagonais, apenas que desta vez já poderíamos andar nelas – um desafio engraçado parecendo um jogo de computador onde só se pode pisar um hexágono de cada vez.
Mar, rios, lagos, lagoas, glaciares e vapor de água… só faltava encontrar neve, e esta veio e de que maneira. Testando o 4×4 do nosso carro partimos em mais uma aventura por entre vales cheios de neve (parecendo uma cena natalícia), onde em simultâneo também já se iria revelando o imenso parque geotérmico por perto com as suas montanhas mais avermelhadas e outras sem neve devido ao calor que emanavam.
Hverir… um parque geotérmico (lembrando as furnas na ilha de São Miguel nos Açore) e como já se sabe: qualquer parque geotérmico que se digne a se chamar de parque geotérmico necessita do seu “belo” e intrínseco “aroma” a enxofre – mas aviso que desta vez é tão forte que o olfato mais sensível poderá induzir vómitos. Com imensas furnas e devido ao vento intenso e gélido este vale fica caracterizado por se ter de atravessar misteriosas cortinas de fumo até se poder ver o vale em si. Por detrás de tal cortina somos presenteados com montanhas muito coloridas, parecendo as montanhas arco-íris no Peru.
– E sim, estava mesmo um vento considerável.
Pausa da natureza e regresso á civilização numa das cidades mais a norte da ilha, a cidade de Húsavík. Uma cidade piscatória conhecida pelos seus tours por águas do mar ártico para avistamento de baleias. Mesmo tendo sido avisados da agitação marítima decidimos não dar parte fraca e seguimos com a volta de barco, mal sabíamos o que nos esperava… Embarcação de madeira de classe média com toques rústicos dando a ilusão de estarmos num filme dos piratas das caraíbas (trocando o belo sol e temperaturas amenas, para um tempo nublado e surrealmente frio), até que a ondulação se faz sentir e aí rezam todos para sair do filme… Apesar de não se ter visto muitas baleias a parte “engraçada” da viagem foi ver um terço das pessoas sempre sentadas para não vomitarem, um terço sempre atrás das baleias com as suas máquinas fotográficas e um terço na parte de trás do barco a libertar os seus almoços com a natureza (e outros com pessoas a bordo do barco…).
Mas calma que um dia destes teria de fechar bem! Apenas deixarei fotos do seu desfecho.
Pois bem, de regresso á capital… passando por perto de cume de montanhas, entre vales, planícies infinitas e verdejantes até às pradarias dominadas por cavalos selvagens e vegetação dourada. Vendo onde os rios começam e onde eles acabam, assim foi a viagem de regresso á capital onde o sol nos presenteia com um brilho único sobre a água fazendo-a parecer ter uma tonalidade néon.
Com o fim da viagem á vista só falta 1 paragem: a península dos vulcões, Suðurnes.
Raufarhólshellir, um túnel de lava soberbamente e imaculadamente preservado ao longos dos séculos, encontrado por locais aquando do seu gado desaparecer por cair em buracos que dariam acesso ao túnel. No que toca a tonalidades apresenta imensas cores devido aos seus minérios: amarelo, vermelho, azul e cinzento. Com uma temperatura sempre constante e fresca é habitada por uma espécie de bactéria branca hidrofóbica tão única que até a NASA a estuda devido a conseguir viver em vácuo – é estritamente proibido qualquer transferência de fluidos humanos com tal bactéria para que esta não crie defesas contra os humanos (cenário único de um filme de ficção científica). No fim do percurso experienciamos como seria se não houvesse luz no túnel… e bem… é assustador!! Não há sons nem ecos e a sensação de espaço desaparece dando lugar a ideias de claustrofobia!
Porém nada como uma ida às termas para curar todas as mazelas físicas e mentais da viagem. Atravessando o desolado e escuro vale vulcânico, rodeado por lava de erupções passadas encontra-se a famosa blue lagoon. Um complexo imenso perdido no meio do nada, num parque geotérmico e sempre entupido de turistas, mas grande o suficiente para ainda deter um bom nível de privacidade. Apesar do frio imenso exterior a água estava no ponto certo pondo qualquer pessoa no seu estado mais zen no estado de segundos, e para os mais friorentos encontravam-se pedras a ferver pelo meio das “lagoas” aquecendo ainda mais a água á sua volta.
Com os seus bares ora de bebida ora com máscaras de lama para pôr na cara, até aos seguranças a fazer rondas com as suas lanternas (parecendo alcatraz) realmente não faltava nada. Até que nos deitamos na água a tentar flutuar e olhamos para cima para ver o céu estrelado e aí sim até a nossa alma encontra o seu estado mais zen. Uma experiência imperdível!!